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Guinada queer

  • Arthur Almeida e Eduarda Motta
  • 4 de ago. de 2022
  • 5 min de leitura

Atualizado: 18 de ago. de 2022

Dados mostram aumento da representatividade LGBTQIA+s nos streamings, em especial, na Netflix


Por Arthur Almeida e Eduarda Motta


Foi a partir da Revolta de Stonewall, em 1969, que a comunidade LGBTQIA+ passou a lutar mais fortemente por representatividade. A partir desse marco, conhecido como o ponto de partida para que o ativismo alcançasse o debate público, foi que as manifestações de orgulho nasceram e se tornaram populares.


Desde então, além das ruas, a reivindicação por respeito começou, timidamente, a atingir os jornais, as revistas e a televisão.


Theo (O Mundo Sombrio de Sabrina), Robin (Stranger Things), Eric (Sex Education), Fabíola (Eu Nunca) e Casey (Atypical) são alguns dos personagens LGBTQIA+ de séries disponíveis na Netflix || Imagem: Divulgação/Netflix


Dando luz à vivência de um grupo que foi posto à margem da sociedade, expondo sua realidade e suas problemáticas, é esperado que a representatividade os afaste do estigma.


Levou algumas décadas desde Stonewall, porém, para as grandes emissoras levarem em consideração recortes sociais com o fim de representar uma minoria.


As primeiras figuras LGBTQIA+s surgiram tardiamente na televisão e, na grande maioria das vezes, estavam presentes apenas para reforçar, por exemplo, o estereótipo de homem gay afeminado, personagem que não era aprofundado na trama mais do que para compartilhar os desabafos de sua melhor amiga.


No contexto brasileiro, o primeiro personagem assumidamente LGBTQIA+ numa novela segue essa receita. Rodolfo Augusto (Ary Fontoura), mais conhecido como “Gugu”, da novela global Assim na Terra como no Céu, tinha pouco protagonismo para si.


A maioria das cenas do personagem eram em conjunto com sua melhor amiga Danuza (Heloísa Helena). Além disso, foi dada bastante ênfase nos trejeitos afeminados e na profissão de costureiro, já que ele vivia em função dos desfiles de carnaval do Rio de Janeiro.


Entretanto, com o passar do tempo, os debates acerca de causas sociais se tornaram mais populares na internet. Com isso, aumentou a demanda por personagens que não fossem estereótipos, mas, sim, representantes da comunidade LGBTQIA+.


Foi essa demanda exposta principalmente nas redes sociais como o Twitter, que fez o personagem Félix (Mateus Solano), da novela Amor à Vida, ganhar uma história amorosa com mais profundidade.


Inclusive, uma campanha foi criada na internet para que o beijo entre Félix e Niko (Thiago Fragoso) acontecesse, com a hashtag #beijafelix. Apesar de preocupada com a reação do público conservador, a Rede Globo atendeu aos pedidos dos internautas e o beijo foi autorizado no capítulo final, um mês antes da gravação.


Com isso, é possível perceber como as mudanças advindas da luta política alcançaram as produções audiovisuais e as fizeram mais atentas às representações que reduzem preconceitos.



Do canal aberto aos streamings


No âmbito das séries, o primeiro personagem LGBTQIA+ surgiu em 1997, na série Ellen, da ABC. A comédia abordava o cotidiano da dona de uma livraria e suas relações familiares e de amizade. Quando a atriz protagonista Ellen DeGeneres assumiu sua homossexualidade em 1997, a personagem a acompanhou.


Depois da revelação, a emissora passou a exibir um aviso de censura antes do programa e a reação do público foi de alvoroço, com os índices de audiência caindo drasticamente. No ano seguinte, a série, que já estava em sua 5ª temporada, foi cancelada.

Ainda em 1998, a série Will & Grace foi transmitida pela NBC, retratando o dia a dia de um advogado gay e uma decoradora de interiores hétero.


A partir dos anos 2000, a representatividade se tornou um pouco mais comum depois do sucesso de The L Word, da emissora Showtime, que acompanha um grupo de amigas lésbicas e bissexuais.


Nesse contexto, a produção de séries era atrelada à linha editorial e ao posicionamento dos canais de comunicação de massa, sendo menos exploradas do que são hoje com as plataformas de streaming.


Surgindo como uma alternativa à TV aberta e à TV a cabo, os serviços de streaming adicionam outra lógica de consumo audiovisual.


Com as produções sendo oferecidas sob demanda, o usuário não é mais refém da programação da emissora e tem autonomia para escolher o horário e qual produção quer assistir, com maior diversidade de gêneros e temáticas.


O sucesso desse modelo foi tanto que, em 2015, a Rede Globo também se inseriu nesse mercado. Com o aplicativo “Globoplay”, além de disponibilizar seus programas e novelas, a empresa começou a apostar na transmissão de séries e, inclusive, investiu nesse tipo de formato com produções próprias.


Preparadas pelas séries precursoras e por esse novo mercado, encabeçado pela Netflix em 2007, as portas do audiovisual se abriram mais rapidamente para o público queer.



A representatividade na prática


A Aliança de Gays e Lésbicas Contra a Difamação (GLAAD, na sigla em inglês) anualmente publica o relatório “Onde estamos nós na TV”, que identifica e qualifica a representação de personagens não-cisheteronormativos nas séries em exibição.


Na última edição, foram analisados os conteúdos veiculados por oito plataformas de streaming: Amazon, Hulu, Netflix, Apple TV+, Disney+, HBO Max, Paramount+ e Peacock.


O estudo da temporada 2021/22 apontou a existência de 358 personalidades queers nos seriados analisados. Desse número, 245 são regulares e 113 recorrentes nas histórias.


Os dados revelam um aumento de 217 personagens em comparação ao levantamento do ano passado, quando o número era apenas 141. Mas vale destacar que, até esta edição, o estudo só levava em conta as produções veiculadas por Amazon, Hulu e Netflix.


Quantitativamente, no espectro das sexualidades, os gays foram os mais representados nas séries, com 118 personagens. Seguido deles, estão os bissexuais com 113 (na pesquisa, o termo inclui pansexuais, polisexuais, etc.). Em terceiro lugar, as lésbicas com 98 papéis. E, por fim, com números mais baixos, estão 16 heterossexuais trans, 2 assexuais e 12 pessoas cuja sexualidade não foi nomeada.



Já no que se refere à diversidade de gênero, as mulheres trans são as mais representadas, com 14 personagens. Enquanto isso, os homens trans e pessoas não-binaries apresentam 6 cada. Ao todo, são 26 personagens da sigla T identificados nesta temporada, 17 a mais do que no ano anterior.


A GLAAD destaca que a representação de LGBTQIA+s não-brancos cresceu para 49%. Desse número, os personagens são 17% pretos, 13% latinos e 10% amarelos.


Desde que o estudo da GLAAD começou a ser realizado, entre 2015 e 2016, a Netflix aparece como a empresa mais inclusiva. Isso permanece na temporada de 2021/22.


Segundo a associação, 155 membros da comunidade LGBTQIA+ estão entre os personagens principais e recorrentes das séries originais da produtora.



O levantamento aponta ainda que a Netflix tem tomado o cuidado de introduzir personalidades queer não apenas em suas séries produzidas nos Estados Unidos, mas também em outros países, como é o caso de Young Royals (Suécia), Rebelde (México) e Elite (Espanha).


A representatividade também pode ser encontrada em obras animadas, tal qual Q-Force, em que todos os protagonistas são LGBTQIA+s.


Uma pesquisa de 2020, fruto da parceria da GLAAD com a Netflix, constatou que cerca de 85% dos brasileiros LGBTQIA+s sentem que as séries que abordam o tema ajudaram suas famílias na compreensão sobre diversidade.


O estudo também aponta que 81% das pessoas que não se identificam como queer disseram que assistir programas como Elite e Sex Education as fizeram sentir mais conectadas com as pessoas LGBTQIA+s de sua convivência.

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